Saturday, December 09, 2006

Eu a sinto perto de mim.
Talvez como nunca senti antes.
Ela está à minha espera, eu sei.
E, de cabeça erguida, enfrento a sorte.
É minha sina, é minha luta.
Fugir sempre da sua sombra
sobre mim, dentro de mim.
É meu sonho, é minha morte.
Quando eu não mais estiver aqui,
não sei o que será do homem que amo,
sei que levarei a presença dele
gravada no fundo da alma.
Sei que alguém vai chorar o fato,
mas vai saber que encontrei a calma.
Amo a vida como amo a morte.
Sinto apenas como se fosse um corte.
Voltarei, porque meu amor será sempre,
sempre, muito maior e mais forte.

1977

Tuesday, October 10, 2006

55

Tenho vontade de te amar.
Tenho gana de te matar
de tanto amor.
Te odeio porque te amo.
Meu amor é possessivo, estranho.
E me faz ter medo de amar.
Você é como um sonho,
que no meio se torna pesadelo.
Te quero e tento te afastar.
Não sei se quero te ter
totalmente por ter medo.
Você é minha dor física,
minha ânsia espiritual.
Meu consolo e meu remédio.
Minha válvula de escape.
Meu meio de lutar com o tédio.

1978

53

A mão levantada.
O punhal preparado, a dor,
a morte, a lágrima, a sorte,
a cor do sangue, o frio,
a janela aberta, os dedos,
a cama desfeita, o ódio cego,
o beijo mal dado, o olho fechado,
o punhal cravando, o amor mal feito,
a dor se apagando, a solidão,
o sonho totalmente desfeito,
a raiva descontrolada, a mão,
a procura incessante, a perda,
a grande mágoa, a tristeza,
vida que some, amarga luta,
fio preso da esperança,
o punhal cortando, a labuta,
e a espera da criança.

1978

51

Minha voz tão rouca
Meu grito feito louca
Uma escuridão em minha boca
Milhares de seres em minha roupa
Minha cuca, muito solta
Minha amargura não é pouca

Meu corpo gira na noite
Meu pensamento é como açoite
Meu desejo é uma porta
numa reta sempre torta

Quero amar mas tenho medo
cada vez me vem mais cedo
cada vez mais eu me puno
cada dia mais não durmo
cada dia mais eu sumo

Minha boca pede um pano
que me evite gritar na escuridão
que eu amo, amo e amo
e me entrego mais à solidão.

Amor

Você é sempre, é tão, é incrivelmente distante.
Quando eu penso em te alcançar, você me foge.
Quando eu penso em te ter, você me some.
Quando eu penso em te prender, você escapa da minha mão.
Você é arredio, chega, fica, magoa (muito) e depois...
Você é ligeiro no bote, e vive na espreita,
esperando um pato qualquer pra te acreditar.
Você vem, nunca se cansa de vir, de ir embora.
Você está sempre à espera do ser errante,
sempre cada vez mais perto, nunca longe.
Você é o animal faminto, o que sempre come.
Você é o ser louco, você é o ser são.
Você respeita, quando não, você desrespeita.
Quando te espero, quando te quero amar,
você me goza, me machuca e afinal, agora...
Você me voltou, não sei mais qual a vez.
Não sei nunca se te conheço ou se penso isso,
penso que te conheço, que te manjo, te entendo.
Mas não é nada disso, você é desconhecido
pra mim, quanto mais te tenho, mais falta me faz.
Quando não te tenho, te quero cada vez mais.
E quando você me volta, me rói por dentro.
Não te quero e você entra em mim, como agora.
Não te espero e de repente você chega, como hoje.
Não te conheço, realmente é essa a verdade.
Pendo saber muito sobre você e nada sei.
Mas ao mesmo tempo não consigo viver sem você.
Na verdade, você faz parte do meu ser.
Você é como uma parte do meu corpo,
e vai me consumindo aos poucos...
E sempre, e tanto, e de tal forma,
que me prendo, mesmo não querendo,
me faz sofrer, mesmo não sofrendo,
e me faz amar, mesmo eu desconhecendo
como você é por inteiro.

47

Fui eu quem quis
o amor, a fossa, a dor.
Fui eu quem quis
a solidão e a tristeza.
Fui eu quem quis
ver a lágrima rolar,
a minha lágrima.
No meu rosto,
o meu choro
o meu gosto
salgado de lágrimas
em minha boca.
Fui eu quem quis
que o meu rosto se desfizesse
camada por camada
sob a ação da água
que cai do meu olho.
Fui eu quem quis
que o meu rosto se apagasse
que eu mesma sumisse
como uma pessoa incolor
que vive uma vida
que também não tem cor.

45

O mundo gira
e eu caio.
De dor, de febre,
de amor, de porre,
não sei.
O mundo continua,
lenta volta, universal.
Um dia, uma noite,
mais uma semana
ou um mês que se passa.
E eu aqui...
levantando, caindo,
uma, duas, três ou
mil vezes. Não sei.
Tenho consciência
de que vivo e
de que sou gente.
E de que o mundo gira
dentro e fora de todo mundo.
O mundo gira e eu caio novamente.
Aonde me segurar?

45

O mundo gira
e eu caio.
De dor, de febre,
de amor, de porre,
não sei.
O mundo continua,
lenta volta, universal.
Um dia, uma noite,
mais uma semana
ou um mês que se passa.
E eu aqui...
levantando, caindo,
uma, duas, três ou
mil vezes. Não sei.
Tenho consciência
de que vivo e
de que sou gente.
E de que o mundo gira
dentro e fora de todo mundo.
O mundo gira e eu caio novamente.
Aonde me segurar?

43

Corra, sangue,
em minhas veias,
artérias e olhos.
Faça meu coração pulsar.
Encharque de sangue
meus pés, braços e pernas,
mãos, cabelos e dedos.
Faça minha boca
sentir seu úmido gosto.
Gosto vermelho de nada.
O certo seria limpá-lo.
Mas não, eu o quero
escorrendo sobre mim,
sobre meu corpo.
Eu o quero fazendo
poças aos meus pés.
Escorrendo como um rio infinito,
sem ondas, pontes ou diques.
Quero ver meu sangue
correr, sujar e limpar.
Levar tudo que tenho por dentro
de podre, de prestável ou não.
Todo o azul, o verde ou amarelo
que eu venha a ter ou tenha tudo.
Quero ver meu sangue correr
e sair por todos os lados de mim.
Quero tudo escrito por mim e de mim,
com o sangue que é meu.

1975

Thursday, March 16, 2006

42

Sobra sempre um pouco
na memória, as coisas antigas
as histórias contadas antes
de sermos apenas retalhos
O amor foi uma estória
para nós, nunca existiu
Sabemos que existe, mas...
aonde? Nunca conseguimos achar
Mas, talvez, as sobras do que
um dia nós fomos
encontrem novamente o amor
que não fomos capazes de achar.

1976

41

Sobra sempre um pouco
de um amor que durou muito.
Resta sempre um pedaço
de alguma coisa que foi nossa.
Um retalho, uma lembrança
de um beijo de despedida,
de uma palavra, de um gesto,
de você, de mim, de nós.
Somos pedaços de uma vida
que já foi um dia inteira.
Pedaços, retalhos que sobram
quando somos esquecidos.
Lembranças, rápidas, fugazes.
Devaneios, sonhos, amores.
Um atrás do outro, um pouco.
Uma procura de amor
num lugar em que não existe.
Um lugar onde o amor
é só uma sobra, uma lembrança.

1974

39

Eu... aqui... só
sozinha...
querendo ver estrelas
às 10 horas da manhã
querendo tirar pêras
de uma árvore de maçã

Aqui... só... eu
esperando
o luar amanhecer em teu olhar
o sol se esconder em sua boca
seu beijo, meu sonho apagar

Só... eu... aqui
vivendo
a esperança de morrer
a verdade me ferir
na esperança de te ter

1975

37

Às vezes eu me sinto como um cigarro aceso jogado fora na rua.

Não sei se alguém já reparou, só sei que todas as vezes que jogo um cigarro fora eu penso nisso.

Ele fica forte, bem vermelho e vai sumindo aos poucos.

Passam carros e o levam de um lugar para o outro e ele continua ali, aceso, inatingível, se consumindo de pouco a pouco.

A brasa acesa continua ali espiando pra mim como se me acusasse de me sentir igual à ela.

Mas passa um outro carro bem por cima do cigarro e o esmaga, apagando e esmagando a mim também.

Morro lentamente todas as vezes que vejo essa mesma cena.

Sou como um cigarro jogado fora: inútil.

1976

35

Existe uma história
que dá insônia.
Existe um amor
que não tem moral.
Existe um caminho
que dá no infinito.
Existe uma verdade
que ninguém acredita.
Existe um débito
que é imortal.
Existe um calor
que não é normal.
Existe a tristeza
de não saber amar.
Existe a incerteza
de não saber pensar.
Existe a desconfiança
de não saber se calar.
Existe a dor
de não conseguir se encontrar...

1975

31

Vermelho cor triste
espada em riste
sangue em pingos
gotas...
coágulos...

Vermelho cor feia
manchando a areia
que é tão branca
pura...
limpa...

Vermelho cor morta
correndo pela aorta
tal água limpando
correndo...
cristalina...

1975

29

Nem todos os caminhos
levam à procura da razão.
Meus caminhos me levam
à procura da existência.
De uma existência minha,
talvez velha como um século,
talvez nova como um hoje,
talvez um só momento
ou uma eternidade.
Minha existência talvez seja
o meu triste dia-a-dia.
Repleto de nada.
Refeito de dúvida em dúvida.
Faltoso de tudo.
Meu caminho existe
como minha existência também.
Só não sei como procurar,
só não sei como começar,
só não sei ser.

1975

27

A gente tem que se perder,
antes de tentar se encontrar.
Tem que compreender
que é preciso lutar para viver,
que é preciso sofrer para viver,
que é preciso matar para não morrer.
A gente tem que tentar chorar
para não se sufocar.
A gente tem que sentir
para não se perder.
A gente tem que cair,
pra depois tentar levantar.
A gente tem que se dominar
para não ser dominado.
A gente tem que saber
que viver é inútil,
que amar é difícil,
e que...
SER
é quase impossível.

1974

25

Olhos sem vida.
Expressão vazia.
Vida cansada,
feita de nada.
Rosto incolor,
corpo sem dor.
Andar transparente,
quase não sente.
Boca fechada,
mãos abertas
estendidas...
esperando...

Olhos fechados.
Expressão sem vida.
Vida vazia.
Rosto sem dor.
Corpo transparente.
Andar não se sente.
Mãos procurando,
não encontrando.
Cérebro aberto,
atento... pensando.
Ser seco.
Eu...

1974

23

Eu só sei que nada sei
e mesmo que soubesse alguma coisa
não saberia
porque os que dizem que sabem
são os que menos sabem.
Dizendo que não sei,
sei que nada sei.
Ao dizer que só sei que nada sei,
estou dizendo que não sei
nem o que digo saber.
Porque se eu soubesse que nada sei,
estaria dizendo que sei alguma coisa.
E na verdade
eu não sei de nada.

1975

Absurdo

Absurdo é nós pensarmos que no mundo de hoje não pode existir paz.

Absurdo é escondermos a nossa paz interior com medo de estarmos errados se acaso a demonstrarmos.

Absurdo é pensar que o amor é uma coisa que não podemos assumir.

Tanto podemos como devemos assumir porque se todo mundo assumisse o amor que tem, não teríamos tantos conflitos interiores.

Absurdo é pensarmos que num mundo onde existe tanto ódio, tanta guerra, tanta miséria, tanta fome, não exista lugar para uma palavra de carinho, consolo, que não exista lugar para um gesto espontâneo de amizade, para um maior afeto mútuo.

Absurdo é nos metermos em nossas cascas e fingirmos que não temos tempo para um aperto de mãos, para um dar e receber recíproco.

Absurdo é sentirmos vergonha de estender as nossas mãos para os nossos semelhantes.

Absurdo é viver na maior paz espiritual sabendo que talvez um pouco de nossa vida interior, de nossos pensamentos, de nossos sentimentos, possa ajudar muitas outras pessoas.

Absurdo é escondermos nossas angústias, nossas fossas, nossos problemas, com medo de outras pessoas não os entenderem.

Absurdo é saber que existem pessoas que podem nos ajudar mas que temos medo de procurar.

Absurdo é o medo, o ódio, o desamor.

Absurdos somos eu, você e todas as pessoas que se escondem com medo de viver, com medo de SER.

1976

17

Porque hoje é dia de chuva estarei triste porque convencionei que dia de chuva é dia de tristeza.

Porque hoje é dia de chuva, não cantarei, não falarei, porque acreditei um dia (e acredito) que dia de chuva é um dia mudo.

Porque hoje está chovendo, eu chorarei, porque sempre soube que comparam pingos de chuva com lágrimas e quero comprovar isso.

Porque hoje é dia de chuva pensarei em você (não pense que só faço isso em dias de chuva), mas pensarei nas coisas ruins que fiz a você e tentarei achar um meio de consertá-las.

Talvez amanhã seja um dia de sol (e se por acaso for), sairei cantando, rindo, chamando por você e querendo te ver, porque nas minhas convenções, dia de sol é para ser feliz - mesmo que por dentro minha alma e meu coração estejam despedaçados por causa de apenas um... dia de chuva.

1974

15

Consumiu-se
o amor lindo
Consumiu-se
o amor torto
Consumiu-se
após ter vindo
Consumiu-se
após estar morto
e pelo telefone
vê o consumo
que consome
se consumindo
de um amor
que quanto mais
tido
mais terá
suco / sumo
pra ser
diluído
vivido novamente
consumido.

1975

13

Semeie
amor por todos os lados
um fim pro centro da terra
o ódio na estratosfera
paz para os crucificados

Semeie
cruzes em uma sepultura
sementes em um jardim
um coração dentro de mim
um meio para uma abertura

Semeie
você dentro de mim
uma flor nos corações
força para se darem as mãos
apenas a semente do fim


1975

Wednesday, March 15, 2006

2

Foco chama luz
foco luz
chama vermelha
vermelha luz
foco azul
luz azul
vermelho foco
azul chama
chama luz foco
chama foco
amarelo
amarela luz
verde foco
verde chama amarela
foco luz chama
grená luz
luz preta luzidia
preta lúgubre chama
foco preto grená
foco
chama
luz
multi-coloridas

1975

CAOS

Sede fome vazio
Amor solidão caos

Mas...
se a sede faz a fome
e se a sede mata o homem,
pra que lutar? pra que viver,
numa crise de existência
que gera a imcompreensão
e não traz alívio
nem sobrevivência...?

E se o amor só traz desgosto
e se nem só de amor vive o homem
pra que amar, porque querer
ter uma coisa que não nos dará gosto
e que nos leva ao vazio
e não nos livra do caos
que é o nosso coração?

1975

Reflexão

Tudo passa no meu dia.
Minha vida é como um rito.
De algum lugar me sai um grito.
Minha alma é minha pena,
se desfaz num só ventar.
Minha dor é meu sofrer
e me entrego ao meu pensar.
Meu sorriso é meu sonhar,
já não sei o que é viver.
Vou pensando no perder.
Meu pecado é não sentir,
meu sentir já se perdeu.
Em que lugar está meu eu?
Me fecho, me amarro, me tranco,
esperando um só arranco.
Nasço, vegeto e morro,
não encontro o meu barranco.
Meu poema é meu tributo.
Pela vida eu não mais luto.
Minha angústia é meu final.
Onde está o meu minuto?

1975

Contra-capa

Um minuto de vida na hora da morte
são como séculos de existência...

1975

Verso da Capa

Na vida da gente tem horas fáceis e horas difíceis, horas do fazer e não-fazer, horas do amor e desamor.
Horas de fossa, angústia, alegria, solidão e esperança.
Mas a hora maior é a hora da morte.
Hora em que a gente se liberta completamente do CAOS que é nosso coração.


16/01/1976

Prefácio

Eu acho que as homenagens nunca deveriam ser póstumas...
Mas, neste caso, não poderia ser de outra maneira.
Recebi de herança e presente da minha mãe, Eleonora de Almeida Peixoto, um caderno velho, amarelado...



É desse Caos que ela se libertou agora, o que tanto queria fazer...

Algumas poesias e textos não tem titulos, apenas as páginas têm números e usarei esses números para identificar o que estava escrito em cada uma dessas páginas.

Entendendo o que ela pensava, fica muito mais fácil entender sua partida.

Os poemas foram escritos por ela entre 1973 e 1978, e se por ventura eu achar algum outro perdido por aí, eu coloco aqui também.

Um beijo a todos,

Natalia Peixoto